Correr, tal qual viver, também é enfrentar nossos próprios fantasmas. Ninguém nunca disse que seria fácil, quando decidi me tornar corredor de longas distâncias. Tivesse dito, estaria mentindo descaradamente. É preciso coragem para tocar a vida. Como também a preparação para os grandes desafios do esporte.
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Puro, por favor |
Basta abrir minha janela para ver bem quem é ela, minha inimiga figadal (e íntima). A ladeira da Vila São Bento, maior entre muitas que existem no bairro vizinho, seria um bom habitat para quem é da montanha. Fosse um pouco mais longa a Rua Aporé, seu nome oficial, provavelmente receberíamos a visita dos admiráveis
cabritos monteses para treinamento nela.
Né brinquedo, não! São seiscentos metros contínuos de inclinação das boas, desnível acumulado de uns cinquenta. De queimar panturrilhas, arder pulmões e disparar corações. De fazer carrinho 1.0 chorar primeira marcha.
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A dita cuja |
Vez ou outra, até arrisco correr por ali. Mas quase sempre apelo para a rampa menos
letal das ruas Gurupi e Oiapoque, à esquerda. Sobe-se o mesmo tanto até a Araguaia, paralela à Rodovia dos Tamoios, mas ganham-se uns cem metros para diluir a inclinação. Foram poucas as vezes que enfrentei de peito aberto a danada. E daria para contar nos dedos de uma mão só as que a venci, correndo nela do início ao fim, sem suplicar por uma paradinha ou caminhada. Hoje não.
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Vale o esforço, pelo visual dos arredores |
Subi em passinhos miúdos, de bebê aprendendo a andar. O escurinho providencial ajudou a evitar o
bullying adulto, apesar do movimento, típico do começo de noite. Mas ganhei dela. Exorcizei-a, pela terceira ou quarta vez na vida, mesmo longe do meu melhor momento físico (e psicológico). Orgulhei-me do meu pequeno feito, ora essa, por que não? E segui com sorriso e tranquilidade para o resto do passeio pela cidade.
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Com todos os meus muitos defeitos e poucas qualidades |
Segui quase três quilômetros pelo contrafluxo da estrada que vai para o litoral, por seu largo e até que seguro acostamento. Melhor, na verdade, que as calçadinhas estreitas e o piso acidentado da rua lateral que a acompanha em parte do trecho. Sem saber bem por onde ir, depois de chegar ao marco zero da rodovia, dobrei à esquerda na rua da pista de kart, passei pelo hotel que não é mais tão novo, pelo trevo do CTA, por sob o viaduto da Dutra e tornei a subir, desta vez a rampinha suave da Avenida Benedito Matarazzo, até o shopping. Pelo lado interno da avenida, usando o canteirinho gramado.
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Depois daquela primeira, nenhuma outra subida assustou |
Preocupado em não alongar demais o trajeto de um treino que era para ser regenerativo, aos seis quilômetros decidi retornar, atravessando a passarela do batalhão da polícia militar. Mais uma daquelas que balançam (e assustam) quando a gente passa correndo. Do outro lado, a lembrança dolorida de um dos dois únicos tombos que levei, em quase dez anos correndo (sem contar o dia maluco da meia maratona na lama, só nele foram outros três).
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A ponte do rio que cai |
Voltei pelo segundo acostamento da noite, o da marginal da BR-116, novamente no sentido contrário ao do tráfego. Alguns me criticam pelo hábito de correr em beira de estrada; e eu não lhes tiro a razão. Mas confesso me sentir, assim como quando estou dirigindo, MUITO mais a salvo nelas do que no meio do trânsito infernal das cidades, repleto de motoristas mal-educados e prepotentes, salvo honrosas exceções. São eles mesmos nas rodovias? Podem até ser. Mas parecem se comportar um pouquinho menos pior nelas. Impressão minha.
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O tapete da realeza é PRETO |
Que poético. Iluminados pelos faróis que vinham no sentido oposto, fragmentos de vidro (talvez cacos de muitos para-brisas estourados por ali) reluziam, como se fossem estrelas num céu muito escuro. Ver beleza até onde não há nenhuma deve ser algum tipo de dom estranho. Assim fui, curtindo o caminho de volta, até dobrar à esquerda na entrada para o meu bairro.
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Minhas quebradas |
Depois de nove quilômetros de trotezinho suave, quase todos acima dos seis minutos, resolvi fechar o treino com um razoavelmente forte. Não foi aquele tiro rápido, dei uma rateada até... Mas conseguir rodar com ritmo começando com quatro já valeu a pena. Terminaria andando mais um quilômetro e pouquinho, para fugir de outra pirambeira
majestosa, a da Cidade Jardim. Na caminhada, até que ela é mansa. Mas vá correr ali, como no percurso de algumas provas oficiais. Inclusive o novo da Unimed Run, no final de junho.
Osso...
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Foi por aí... |
Não foi nada demais, só mais uma rodagem leve de 10 km (a medida oficial
roubou uns dez metros). Mas faz bem para o ego e para o coração ser capaz de fazer algo que, muitas vezes, nós mesmo nos julgamos incapazes. Acreditar é sempre o começo de tudo. Colocar em prática, a continuação.
Link no Garmin Connect:
http://connect.garmin.com/activity/315850095
Resumo do treino:
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