domingo, 10 de fevereiro de 2013

Treino 21 - Era uma vez no oeste

Tô calmo, tô calmo...
Tem treinos e TREINOS. Por esses do segundo tipo, em caixa alta, negrito, sublinhado e fonte maior, a gente aguarda com a mesma ansiedade e expectativa de uma prova. Ou de uma criança pela sua festa de aniversário, para quem não corre e não tem essa referência. Depois de quase quarenta dias e vinte treinos de menor porte, enfim chegou o dia do primeiro grande desafio da planilha, que espero ser o roteiro menos imperfeito possível capaz de me conduzir até o sonho de disputar uma ultramaratona de 24 horas.

Depois de esboçar e falar bastante sobre a minha ideia inicial de estratégia para a prova, era a hora de testá-la na prática. De sair da teoria, do papel, que tudo aceita; e partir para o campo de batalha, onde as coisas realmente acontecem. De começar em definitivo a transformação desse velho corredor teimosão, com alguma bagagem no esporte, mas também muitas limitações, em alguém apto a enfrentar uma briga de cachorro grande feito essa em que pretendo me meter.

Um treino-chave. Não só pela distância prevista em si, que já enfrentara diversas outras vezes na vida de corredor. Nem apenas pela duração, longa, mas longe de ser absurda (ainda mais se comparada à que a prova-alvo deve ter). Mas um pouco por isso tudo. E também (ou principalmente) pela forma de fazê-lo, semelhante à ser usada na longa corrida que virá.

Ser só um pontinho perdido na paisagem; e adorar a ideia
Em pleno domingo de carnaval, pular da cama antes do amanhecer (devia ter baile ainda rolando por aí!). Heroísmo, abnegação, gesto digno de aplausos? Nada disso, necessidade mesmo. Quem pretendia ficar por quatro horas correndo (e caminhando), tinha mais era que começar bem cedo. Mesmo que a previsão do tempo fosse favorável e não apontasse para uma manhã de sol forte. Tomado um rápido café da manhã e conferida novamente toda a checklist separada de véspera (como tem coisa!), antes das sete da manhã já estava na rua, pronto para pegar o caminho. Mas qual mesmo?

Todo corredor tem um pouco de homem-morcego
De duas coisas eu havia feito questão absoluta. Uma: correr sozinho nesse primeiro treino realmente longo da planilha. Todo mundo, leitor do blog ou não, sabe do quanto eu gosto de estar com os amigos corredores nessas verdadeiras celebrações que são os nossos treinos coletivos. Mas o fato é que não vou poder contar com companhia no final de junho. Pelo menos não a da maior parte deles e, claro, durante as longas 24 horas do desafio. Especificidade é a palavra. Tenho de (re)aprender a tomar gosto pelos intermináveis treinos solo. Se é que um dia perdi.

Outra e igualmente importante: não montar um roteiro prévio de treino. Um que já tinha uma programação preestabelecida, rodar tantos quilômetros, parar por esses minutos, caminhar mais tais metros, se ganhasse também um mapa, ficaria com cara de trabalho escolar. Rigor demais para algo que, apesar de levado absolutamente a sério por mim, nunca deixou de ser o meu hobby, o meu lado B. 

Violão debaixo do braço, não... Mas ir por aí é comigo mesmo!
Num treino comprido desses, eu é que não iria ficar caçando subidas. E olha que isso não falta! Para onde quer que se olhe em São José dos Campos, tem uma ladeirinha. Acho que é por isso que vem tanto mineiro pra cá (inclusive minha família, uai!). Para fugir das lombas, não tinha jeito, o caminho inicial era um só: o sistema viário composto pelas avenidas Mario Covas e Jorge Zarur, velhas conhecidas de quem já correu na cidade. Houve uma época em que parecia decreto. É corrida? É lá... Chegou a enjoar; e não era nem pelo inconfundível "perfume" do córrego Vidoca, que passa no meio delas.

Cheiroso, não é... Mas pelo menos é planinho!
O primeiro trecho de oito quilômetros, antes da parada #1 para breve descanso, seria então praticamente todo plano. Tirando a descida forte da Avenida João Paulo I, logo no comecinho, até o cruzamento com a Avenida São João, onde as duas pistas ganham um canteiro central ainda mais espaçoso e mudam de nome para Doutor Eduardo Cury, não havia uma inclinaçãozinha sequer. Que só foi surgir, e ainda assim bem leve, quando dobrei à esquerda na Via Oeste ao invés de seguir reto, rumo ao Urbanova, onde já havia corrido com a galera no domingo anterior.

Go west!
Quando o relógio contou que eram decorridos 49 minutos e percorridos oito mil metros (ritmo propositalmente tranquilo), nem deu vontade de parar. Mas, além de prevista, a pausa era estratégica e necessária. Bem defronte às (atrasadas) obras do grande ginásio de esportes, que pretendo frequentar bastante quando ficar pronto, estiquei as canelas, tomei um gelzinho e uma cápsula de BCAA, com generosas goladas d'água da garrafinha que levava no cinto e iria recarregar algumas vezes no trajeto. Inteirão, veria os dez minutos passarem muito lentamente. A vontade era de retomar de imediato o correr. Mais para frente, já não seria mais bem assim...

Conforme previsto, não voltei a correr logo em seguida. A transição entre parada e nova corrida seria feita com alguns metros de caminhada. Nos treinos de pista e na prova em si, duas voltas ou oitocentos metros. Nos de rua, decidi ali mesmo na hora, achei mais simples ser de um quilômetro inteiro. Coincidiu de acabar bem em frente à pequena, mas bonita praça esportiva do Jardim Alvorada.

A mesma praça
Fiquei pensando em que rumo tomar a partir daí, segunda repetição do algoritmo. Quase segui para uma volta na avenida de nome interminável (Doutor João Batista Soares de Queiroz Júnior, imagina o tamanho da placa!) que contorna quase todo o bairro e tem o peculiar apelido de ferradura. Mas acabei subindo o morrinho de saída dela e caindo na marginal da Dutra, para logo depois pegar o início da Avenida Cassiano Ricardo. Depois de tantos retões, era hora de brincar um pouco, fazer uns ziguezagues por aí.

Virei à direita na rua que demorou um tempão para ganhar nome (e agora se chama Carlos Maria Auricchio) e fui parar novamente na lateral da Rio-SP. Segui por setecentos metros, até onde havia entrado na avenida e retornei pelo mesmo caminho. Passei reto na volta, desci a ladeira e fui sair na Avenida Comendador Vicente Penido, do enfim inaugurado novo fórum. Mais um vaivém, dessa vez maior, uns mil e duzentos metros cada perna. Subi, cruzei a passarela por sobre a Dutra, voltei por ela novamente logo depois. E fechei os 17 km contornando o estacionamento praticamente vazio do hipermercado. A bússola do Garmin Fenix quase pediu socorro...

A melhor distância entre dois pontos NÃO É uma reta
Entrei, recarreguei o squeeze, fui ao banheiro. Só não fiz compras. Se o quiosque dos espetinhos estivesse aberto, ficaria tentado a encomendar um. Finda a pausa, caminhei até a Praça Ulysses Guimarães e, pouco depois dela, acionei o relógio para voltar a correr. Esquecendo de que ele já estava em ação, contando tempo e distância da caminhada. Resultado: perdi uns seiscentos metros até me tocar que havia feito lambança. Voltei para a Cassiano Ricardo pensando em descer sua forte ladeira, mas acabei atravessando a pista, contornando a praça do monumento ao centenário da imigração japonesa. E voltando à Via Oeste pela acidentada viela de terra entre os condomínios Sunset e Jardim das Colinas.

Tori, tori, torá...
Depois de tantos bons dias a colegas de esporte desconhecidos, finalmente fui encontrar um companheiro de treinos pelo caminho. Cezinha, um dos nossos malucos do asfalto mais ligeiros, vinha no sentido contrário e passou feito uma bala. Eu, bem mais lento (a essa altura, ainda mais), segui para a terceira e última parte da brincadeira. Pegando a direita, voltaria para a região sul de onde partira. Seguindo reto, iria para o centro da cidade. Nem uma coisa nem outra. Dobrei à esquerda e entrei no Vale dos Pinheiros. Atravessei o pequenino bairro de uma pernada só e fui dar um passeio pelos arredores do condomínio Esplanada do Sol. A turma não gosta muito quando coloco a Avenida Jockey Club no trajeto, mas eu adoro correr naquela buraqueira... Só parei quando cheguei na porteira. Dali para frente, nem o carro do Google Street View foi.

Ê, mundão véio COM porteira
De volta à civilização, escalei caminhando a pontezinha, contornei uma das laterais da Praça do Maconhão (ei, não fui eu que escolhi o nome!) e fui sair na Avenida São João, onde o relógio apitou indicando os 26 km completados. Fiz um último pit stop no outro grande hipermercado da região e caminhei por ali mais um bocadinho, até o ponto de ônibus, para inteirar o terceiro ciclo.

Somando tudo, inclusive o trechinho em que comi bola, deu cerca de 27,6 km em 3h04min de ação (ou 3h36min, incluindo as pausas). A ideia era completar quatro horas, mas a temperatura já havia subido e deixado as coisas meio torturantes. Achei que estava de bom tamanho. Agora é seguir acostumando a carcaça velha de guerra a essas rodagens mais longas. Fácil não há de ser. Mas acho que dá jogo...

Banzé no oeste 3

4 comentários:

  1. Muito interessante esse treino, e é uma reeducação, pois a vontade é de correr logo tudo de uma vez. Aprender e convencer a "carcaça", como você diz, a voltar pro trabalho deve se tornar complicado depois de determinado tempo correndo.
    Bons treinos amigo!

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    1. A planilha até prevê também treinos longos contínuos, Silvio, mas a prioridade é desses fracionados, como também será a prova. Muito bem dito, reeducação descreve bem o processo. Quero ver depois voltar a querer correr quatro horas seguidas, hehehe...

      Abraço, obrigado pela força, bons treinos pra você também!

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  2. Olá Fábio, concordo com o Sílvio Americo, muito interessante a sua estratégia de caminhar por 800m (na rua 1 km) antes de voltar a correr pós alimentação e hidratação. Pretendo testá-la no futuro.

    Um abraço,

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    1. Pois é, Roberto. A ideia será testada e aprimorada durante os treinos. Pode ser que acabe nem sendo usada na prática durante a prova, mas é um caminho a seguir para a preparação. Vamos ver no que dá.

      Abraço e bons treinos!

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