sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Só uma pausa? Ou o fim de uma era?

Algumas características peculiares se tornaram minhas marcas registradas e me fizeram um pouco menos anônimo (mais conhecido é exagero) no habitat das corridas de rua: o tipo físico pouco propício para o esporte, a casca grossa (um jeito mais bonito de falar da minha atávica teimosia), a mania de catalogar cada quilômetro corrido (já viu a Planilha para Registro de Treinos e Corridas que eu uso para isso?). Mas também um gosto um pouquinho acima da média em participar de eventos de corrida, das competições.


Espaço para um merchan básico
É óbvio que não sou nenhum recordista nesse último quesito. Há casos bem mais superlativos, como o do fenomenal atleta pindense Silvio Prado, que fez nada menos que 70 corridas (!) durante o ano de 2012; usando por exemplo etapas do Circuito das Estações para correr no mesmo dia, com intervalos mínimos, as provas de 5 e 10 km. Diante disso, o uso da palavra "fominha" para minha identificação fica até um pouco mais light. Corri "só" 48 provas na última temporada. O fato inegável é que eu tenho carteirinha desse clube também... Só não a renovei para a temporada 2013!

Confessar, ninguém confessa; ser, quase todo mundo é
A meta da participação na ultramaratona de 24 horas e seu consequente planejamento me colocaram diante de um dilema. Se já é complicado fazer treinos para uma maratona, com duas, três, às vezes quase quatro horas de duração durante a semana de trabalho, o que dirá os ultralongões. Fizemos um treino coletivo apelidado de "Correndo na Madrugada" no ano passado, começando a partir da meia-noite e percorrendo 15 km pelas avenidas da cidade. Mas ficar treinando sozinho por aí madrugada afora, até mesmo para mim, é levar a paixão ao extremo. E a riscos maiores que o necessário. E a arrumar problema em casa.

Dessa forma, os treinos longos da nova planilha ficaram prescritos basicamente para os finais de semana. Algumas vezes aos sábados, avançando até mais tarde, já que a prova ao final de junho assim será na prática. E outras aos domingos, começando pela manhã e perdendo todo o Programa Silvio Santos. Vai ser punk. E, mais do que isso, vai me deixar automaticamente de fora de muitas corridas do calendário 2013.

Em amarelo, os dias de treinar até cair
Não sou nutricionista e nem nunca pisei no consultório de um(a). Mas creio que as dietas absolutamente restritivas são as que mais tendem ao fracasso. Tirar totalmente de alguém aquilo de que ele mais gosta é pedir para fazê-lo desistir do sacrifício. Como fazer, então, para não tornar a preparação para a ultramaratona ainda mais psicologicamente desgastante do que ela é, por si só?

Como mencionei em postagens anteriores neste blog, a planilha de treinos que montei para as 24 horas é dividida em microciclos, cada um com quatro semanas (exceto o último, o de polimento, com duas apenas). Tanto no primeiro, o da base, quanto nos cinco restantes, destinei o domingo da quarta e última semana para participar de uma corrida. É uma redução drástica, para quem chegou a fazer seis provas por mês no ano passado. Mas uma a cada vinte e oito dias vai me dar ao menos o gostinho de estar lá, entre amigos e em um ambiente onde me sinto absolutamente em casa e à vontade.

Como negar essa linda emoção?
Mas esse conflito de agenda, lamentavelmente, vem também de encontro a uma outra questão prática: a econômica. De alguns anos para cá, o perfil do corredor de rua que participa das provas vem mudando radicalmente. Ele não é mais aquele sujeito de camiseta puída de campanha política e tênis Kichute. Ele é de classe média alta e carrega mais penduricalhos que muitas árvores de Natal. As organizadoras de corrida (algumas), que de bobas nada têm, logicamente sacaram isso e descobriram ter nas mãos uma verdadeira mina de ouro.

Como é que consegue correr?
Vou poupá-los do meu discurso marxista (até porque não sou), mas enquanto as corridas estiverem "na modinha", a tendência é que fique cada vez mais difícil participar delas, se você não for gente bonita do grand monde. Os valores das inscrições das provas vêm aumentando em progressão geométrica, ano a ano. Corridas famosas, como a São Silvestre, chegam a valores absurdos (na minha opinião) na faixa dos R$ 120. E servem como "termômetro" para alavancar a alta nos preços de todas as demais. Se há quem pague, por que não aumentar? Simples assim...

Até mesmo corridas de menor porte, mais simples, de padrão interiorano, estão sendo contaminadas por essa tendência. Ver uma prova como a General Salgado de Taubaté, que já foi gratuita e já custou R$ 15 (tendo no kit um frasco de protetor solar que custava mais que isso) há não muito tempo, começar a usar lotes, com valores progressivos de inscrições mês a mês, é de fazer chorar feito criança qualquer corredor mais antigo.

Ainda mais assustadores que os preços em si, entretanto, têm sido os percentuais de aumento. Há uma infeliz tendência brasileira de não colocar nada na ponta do lápis, de misturar laranjas com bananas e achar tudo barato. O "fator São Silvestre" faz com que o corredor compare o valor de outras provas com o dela e tenda a achar que está fazendo um negócio da China. É uma nova leitura para a velha teoria do bode na sala. Mas veja o exemplo da variação dos preços de inscrição da Meia Maratona de São Paulo, corrida que faço desde a primeira edição em 2007 (com exceção da segunda, em 2008) e da qual vou ficar de fora esse ano. E não só por causa dos treinos da ultra.

Faltou mostrar as taxas anuais de inflação
O que justifica um acréscimo de mais de 45% de um ano para outro? Ou de 50%, como nas recém-abertas inscrições para a Maratona do Rio de Janeiro? Não estou cuspindo no prato em que comi por tanto tempo, mas acho que é passada a hora de deixarmos de fazer inscrições automáticas. E de refletirmos um pouco mais sobre o que vem sendo feito com as nossas corridas.

Se nada fizermos, nada mudará, isso é mais que óbvio. "Caro" e "barato" são conceitos subjetivos, cada um sabe bem o que custa ganhar e o que fazer de sua grana. Mas, antes que corrida de rua se torne de vez um esporte elitizado (ou antes que essa "bolha" estoure), é preciso adotar (e tentar disseminar) uma postura mais crítica. É o que estou tentando fazer, por mais chato que isso soe. Parar de simplesmente aceitar aumentos e valores abusivos e se sentir "obrigado" a fazer essa ou aquela corrida, independente de quanto ela custe. Até quando isso não vai te atingir? Que valor você está disposto a pagar por uma inscrição de corrida? Qual é o seu limite?

Acho que não poderia ter escolhido uma hora melhor para fazer essa ultramaratona. Meu bolso agradece. Minha sanidade mental também. Vou treinar, que ganho mais. E gasto menos.


P.S.: ainda bem que ainda há honrosas exceções, que resistem bravamente, apesar de tudo; e que merecem, sim, ser prestigiadas. É desse tipo de corrida, boa, bem organizada e com preço justo, que quero continuar participando.

20 comentários:

  1. Ótimo Blog! Parabéns amigo!
    Já estou seguindo!
    Conheça, opine e siga o meu também!
    Abraços Ultras!

    brunozuccolotto.blogspot.com.br

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    1. Obrigado pela visita e mensagem, Bruno. Vou conhecer e seguir o seu blog também, será um prazer.

      Grande abraço!

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  2. então Fabio, esse ano realmente nao conseguirei fazer todas as provas que quero por causa deste aumento abusivo no valor das inscrições, e olha que faço 2 por mes no maximo... vou ter que ir de pipoca mesmo pra treinar e ver quais são realmente que vale a pena pagar pra correr...
    esse post veio em uma ótima hora!
    Parabéns!
    O q podemos fazer para reverter esse processo de aumento abusivo das inscrições?!

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    1. Não vejo outro caminho, Jean, que não o do boicote às provas com valores e/ou aumentos abusivos. E o da conscientização. Enquanto continuarmos(rem) frequentando as provas independente do preço, elas vão seguir ficando cada vez mais caras. Até o estouro da "bolha".

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  3. Excelente Post Fábio. Aqui em Salvador essa onda é cada ano um abuso. Comecei a correr ano passado e a única prova que teve um valor abaixo de 50 reais foi a Corrida da Longevidade da Bradesco. A média de provas aqui é 70 reais. Tem provas que chega a 90, 100, 120 reais. Prova gratuita? Nem sinal delas por aqui.
    Cada vez mais observo as pessoas nas provas e cada vez mais o que você comentou é notório, muita gente de classe média alta estão lá. Os pobrezinhos que se esforçam pra participar como eu, sofrem para incluir uma corrida por mês no orçamento.
    Confesso que não me sinto bem em ser pipoca, mas do jeito que andam os preços das primeiras provas que abriram inscrição, inevitavelmente, ser pipoca pode ser uma opção.
    Um abraço
    Cássia (http://cassinhags.blogspot.com.br/)

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    1. Oi, Cássia! Obrigado pela visita e mensagem. Por aqui ainda encontramos provas na faixa dos R$ 50, mas elas estão ficando cada vez mais raras. Está acontecendo o fenômeno da "seriedeltização", com essa prova puxando o preço das outras para cima. Mas ainda nos sentimos privilegiados por contarmos com boas corridas a preços razoáveis. Resta saber até quando.

      Conversava há pouco pelo Facebook com o Jean, do comentário acima, sobre correr na pipoca. Transcrevo abaixo o que escrevi para ele lá, resumindo minha opinião sobre o assunto.

      De minha parte, pretendo aparecer menos e chamar mais os amigos para treinos, tão divertidos quanto corridas. E gratuitos.

      Abraços!



      Não tenho nada contra quem corre na pipoca, muito embora eu pessoalmente não tenha gostado da minha única experiência do tipo e não pretenda repetir. Mas eu penso o seguinte: se eu apareço em uma prova grande, transmitida pela TV, mesmo correndo sem inscrição, eu estou ajudando a dar volume e IBOPE, a fazer a prova parecer ainda maior do que é. Por outro lado, se eu boicoto e tento fazer com que as pessoas se conscientizem (mesmo que isso seja trabalho de formiguinha); se eu marco um treino para o mesmo dia e levo "x" amigos para fazer isso comigo; se eu vou em outra corrida mais barata no mesmo dia e ajudo a convencer outras pessoas a fazer o mesmo, aí sim eu passo a preocupar a organização. Participantes e inscrições não são tudo para eles. Eles têm que parecer gigantes para atraírem patrocinadores, de onde sai o graúdo dos lucros. No dia em que (e se) aparecerem uns vácuos na muvuca da São Silvestre, ela muda.

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  4. Fábio, belo artigo. Eu também penso como você. Já publiquei em meu blog matéria a esse respeito. http://luciotadeu.blogspot.com.br/2012/10/a-industria-da-corrida-de-rua-no-brasil.html.
    Hoje estou dando prioridade para provas que tenham um escopo social, onde a arrecadação vai para alguma entidade filantrópica.
    Abraço

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    1. Obrigado, Lúcio. Parabéns pelo seu blog e pela matéria. Quando tocamos nesse assunto e estimulamos o debate sobre ele, prestamos um serviço à comunidade corredora.

      Também tenho especial apreço pelas provas filantrópicas, participo sempre que possível e, inclusive, pretendamos dar esse caráter às corridas de pequeno porte que promovemos, eu e o pessoal de minha equipe, arrecadando alimentos para doação às entidades beneficentes.

      Abraços!

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  5. Olá Fábio, Aproveitando a observação final do seu texto, vou falar de um circuito de corridas promovido pelo CORRE (Clube dos corredores de rua do Recife). Este circuito possui 11 etapas, de janeiro a novembro, e cada inscrição custa R$15,00 + 1kg de alimento. Em cada etapa o participante pode escolher entre as provas de 5km ou 10km. A estrutura é simples, mas com boa hidratação, medalha de participação, número de peito e divulgação dos resultados baseada em anotação manual do tempo de cada participante. Justamente pela simplicidade, o circuito atrai os que adoram correr e o nível de muitos participantes é alto. É ou não é para prestigiar um circuito desses?

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    1. Sem dúvida que é, Roberto! O trabalho desses abnegados, que promovem corridas pelo puro e simples amor ao esporte, deve ser enaltecido, e muito. Espero que esse tipo de corrida, simples, mas que tem tudo aquilo de que o corredor realmente precisa, nunca acabe. Pelo contrário, ganhe cada vez mais força. Demos valor a quem merece.

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  6. Esperamos que seja só uma pausa mesmo, esses valores absurdos tem que ser revisto, por quem ? não sei, pois concordo com a sua analise, cada ano a % dos valores só sobem, como voce mesmo sabe eu também fiz uma postagem batendo nessa tecla.

    FOrte Abraço

    Léo

    Segue a minha postagem:
    http://pisandoporai.blogspot.com.br/2012/12/sao-silvestre-x-maratona-de-sp.html

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    1. Grande Léo, obrigado por sua visita e mensagem.

      Conversando hoje com meu amigo, companheiro de equipe e também blogueiro Silvio Américo, O Corredor do Apito (http://ocorredordoapito.com.br), o escutei mencionar o caso das corridas que aconteciam no Chile, em que o crescimento no número de participantes, mas também no valor das inscrições, foi bastante grande. Chegou uma hora em que as pessoas resolveram se mobilizar. Em uma prova de grande porte, muitos combinaram um boicote às inscrições. Até apareceram para correr, mas não inscritos. Não sei falar de números exatos, já que a história foi contada por um amigo dele, morador do país. Mas acredito que as coisas por aqui também só mudem assim, na marra. Acho bem mais difícil, já que brasileiro parece ter no DNA um gosto meio masoquista por pagar mais caro em tudo. Mas tenho esperança de que isso um dia aconteça, nem que leve anos. Enquanto isso, faço a minha parte, selecionando as corridas que tenham custo x benefício aceitável. Porque existir, elas existem. É preciso procurar. E querer procurar.

      Abraço e parabéns pelo seu blog e postagem!

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  7. Tá tudo muito caro. Este ano, a falta de dinheiro coincidiu com a priorização de provas para melhorar tempo. Talvez a primeira coisa tenha levado à segunda.

    Aqui por Floripa, decidi que vou correr nas provas boas e que eu sei que tem a quilometragem correta. Se ela for 90 reais, vai ter que ser. Pelo menos sei que estou pagando caro e recebendo. O bom de fazer menos provas é economizar e poder pagar as mais caras, se for o caso.

    As menores, de 5 e 10 km, que fazem a primeira edição já cobrando 60 no 1º lote nem passo perto. Só vou se ganhar inscrição. Creio que, com o tempo, essa moda da corrida vai diminuir e vão ficar as provas realmente boas. Talvez caras, talvez não, mas acho que daqui uns anos o mercado vai se auto regular.

    E no fim das contas, a gente gosta é de correr. Tudo bem que recorde pessoal, para mim, só vale em corrida, mas se tudo ficar muito caro, escolho uma por ano.

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    1. Obrigado pela visita e mensagem, Enio. Entendo seus argumentos, mas nem sempre as mais caras são as melhores. Aqui em São José dos Campos tivemos a Corrida da Virada (que se chamava inicialmente São Silvestre Joseense, mas teve que mudar de nome). A inscrição custou R$ 35 (aumentando para R$ 45 no segundo lote). E teve medalha bonita (e medalhão especial para os cem primeiros, estilo Golden Four), camiseta de boa qualidade, boné, kit com frutas, água de coco, uva passa, BCAA e até, por ser final de ano, taças de champanhe (sem álcool) à vontade. Massagem, transporte gratuito por ônibus até a largada, estacionamento gratuito para quem veio de carro, e por aí vai. Tem prova por aí que custa quatro vezes isso e não dá a metade. Ok, isso é mais exceção que regra, mas se prestigiamos mais esse tipo de organização e demos menos bola para as "grifes" de corrida, certamente estaremos colaborando para que o mercado se auto-regule não necessariamente nivelado por cima.

      Abraço!

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    2. Uma prova assim precisava ter em todos os lugares. Gosto muito das organizadas e baratas. Aqui em Floripa são raríssimos esses casos, mas tem. E quando tem eu aproveito.

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    3. Precisamos divulgar que isso existe. E que é isso que merece ser prestigiado.

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  8. Respostas
    1. Obrigado pela visita e mensagem, Márcia, seja sempre bem-vinda. Abraços!

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  9. Olá Fábio.
    Conheci seu blog hoje e já o adicionei. Realmente estamos em um ponto crucial quanto às corridas de rua. Nem bem se popularizou o esporte a elitização e as facadas (tradicionais da "economia brasileira") já no satingiram.
    É hora de agirmos.
    Conta comigo.

    Corridas do Luizz
    Corrida Democrática

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    1. Obrigado, Luiz. Já adicionei seu blog aos favoritos e vou acompanhar sempre. Estamos juntos nessa luta. Ação e mobilização são as palavras-chaves.

      Abraços.

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