quinta-feira, 5 de junho de 2014

Alma peregrina

Um dia ainda há de chegar a minha vez de fazer o Caminho de Santiago. Vai chegar quando eu parar de falar um dia. Enquanto não chega, vou acalmando minhas inquietudes por aqui mesmo, porque, definitivamente, não nasci para ficar parado... Não sou poste!


Um pouco de história
Há três anos, nos primeiros meses de 2011, tive a ideia, enquanto me preparava para mais duas maratonas, a de São Paulo e a do Rio de Janeiro, de fazer um inusitado treino pela rodovia que liga justamente as duas capitais estaduais. Nada menos que a BR-116, a Presidente Dutra, estrada mais movimentada do país. Tendências suicidas? Não. Devoção extrema, pagamento de alguma promessa, já que o trecho escolhido seria aquele entre as cidades de Taubaté e Aparecida (que não é do norte)? Não também. Sou católico, apostólico e romano de formação, mas só frequento igrejas em casamentos e congêneres. Prefiro tentar viver os ensinamentos cristãos no meu dia-a-dia. E vivo em paz assim.


Por mais incrível que possa parecer, o sonho maluco foi adiante, porque caiu nos olhos e ouvidos de pessoas que também tinham essa mesma comichão, essa mania de querer fazer coisas diferentes. Meu xará Fabio Matheus e o intrépido BMW-Runner Michel entraram de sola e mergulharam de cabeça comigo no projeto. Ajudaram demais a transformá-lo em realidade.


Assim, no dia 7 de maio de 2011, véspera do dia das mães, um pequeno grupo de malucos beleza, acompanhados de dedicados voluntários, a começar por minha esposa Janete, em alguns veículos de apoio, partiu do Horto Municipal de Taubaté. Adentrou a rodovia federal pelo acesso 107, em frente à rodoviária. E percorreu os 37 km que separam as duas cidades valeparaibanas. Foi uma jornada inesquecível de fé, determinação e amor ao esporte, que eu tentei descrever assim à época.




As redes sociais já existiam, embora ainda não tivessem o alcance dos dias atuais. Mas a repercussão do nosso feito entre a comunidade corredora foi grande. Claro que teve gente chamando de doido para baixo, e a gente até perdoa a ignorância de quem fala de tudo sem conhecer. Mas a maior parte elogiou, deixou clara a admiração por nossa coragem e pioneirismo. Só reforçaram ainda mais a nossa vontade de repetir a dose, pouco mais de um ano depois. Em outro sábado, 21 de julho de 2012, um grupo mais numeroso, e igualmente animado, pegava o mesmo caminho para a segunda edição do Treino Taubaté -> Aparecida 37 km. Seguidos por um incansável pessoal de apoio, reforçado pela presença de meus tios e padrinhos, Tereza e Tetuo, chegamos mais uma vez à Basílica Nacional em segurança. Com direito até a medalha ao final!





Nunca foi nossa preocupação, nesse ou em qualquer outro de nossos treinos, o número de participantes em si. Se quiséssemos atrair muita gente só por exibicionismo, faríamos treininhos de 5 km em percursos molezinha. Nós, da Equipe 100 Juízo, apelidados não por acaso de malucos do asfalto, preferimos os desafios mais casca-grossa. Mas seria natural que mais gente fosse gradativamente evoluindo nas distâncias (e nas dificuldades) e passasse a estar apto a correr conosco. E o terceiro ano, coincidindo com a visita do Papa ao país e à região, bombou. O grupo quase dobrou de tamanho e o evento foi parar até na televisão (!). Exatamente um ano depois, em 21 de julho de 2013, pela primeira vez um domingo, percorremos os 37 km no então rebatizado Treino da Fé. Camiseta oficial do evento, desenhada pelo talentoso e sempre disposto Silvio Américo, o Corredor do Apito, tais quais as medalhas de participação. Contei desse jeito, aqui mesmo no blog, essa história.






Uma reinvenção
Mais (quase) um ano se passou. A 100 Juízo, que alguns "abutres" insinuaram que estava dividida e para acabar (CHUPA!!!), renovou-se com a chegada de bastante gente com vontade de botar a mão na massa. Os nossos treinos semanais das quartas-feiras à noite, mesmo quando não havia lanchão na faixa e nem sorteio de inscrições de corridas, passaram a ser cada vez mais concorridos. A nossa tenda nas corridas da cidade e região, que nunca deixou de ser montada e acolher a todos, foi ganhando cada vez mais amigos em volta. Juntos, reinventamos o conceito de equipe de corrida. Há muito o que fazer e melhorar. Mas estamos no caminho certo para isso.


A realização, pouco antes, de outro evento tradicional nosso, o Correndo na Madrugada, deu uma mostra do que seria a quarta edição do caminho. Quando conseguimos reunir, mesmo no sinistro horário da meia-noite da virada da quinta para a sexta-feira santa, um grupo de centenas de corredores, irmanados pela solidariedade (foi solicitado que cada um contribuísse com uma caixa de bombons, que seriam posteriormente doados a instituições beneficentes; foram adultos, idosos e crianças com quem compartilhamos momentos de muita alegria na maratona da entrega), tivemos a convicção de que não seria mais possível fazer algo pequenino, modesto, despretensioso como estávamos acostumados.







Planejando a quarta jornada
A responsabilidade cresceu. O trabalho, idem. Quando criei, dois meses antes de 1º de junho de 2014, data escolhida para o 4º Treino da Fé, a página do evento no Facebook, só fui vendo a quantidade de convidados confirmados crescer dia após dia. E, quase diariamente, passei a postar por lá recomendações, sobretudo ligadas à segurança dos participantes. Quem já havia ido conosco outras vezes, macaco velho, sabia que perigo só há mesmo quando atitudes perigosas são tomadas. Esforcei-me ao máximo para que todos, principalmente os novatos, fossem para lá munidos da mais importante das armas: a informação. Sei que, infelizmente, as pessoas não têm muito o hábito de ler. Mas não deixei de fazer a minha parte.


Não faltariam mudanças para recebermos melhor os nossos guerreiros da fé. A começar pelo local de concentração e largada. O problema não era nem o Horto, espaço amplo e relativamente estruturado. Mas a saída 107 da Dutra, ainda mais depois das recentes reformas, não comportaria mais a nossa partida. Transferimos então para um local ao mesmo tempo espaçoso e carregado de simbolismo: a Praça do Cristo Redentor de Taubaté. Além disso, ainda permitindo um início em descida pelas ruas da cidade, espalhando melhor o grupo antes da chegada à rodovia. Modéstia à parte, uma boa sacada deste que vos escreve... Pelo menos uma!




Apesar do burburinho legal entre os corredores, da nossa patota e de outras, a coisa demoraria um pouco para pegar no tranco. A princípio, o treino seria do tipo faça-você-mesmo, como de costume. Cada um responsável por levar sua própria hidratação e alimentação durante o percurso, e aquele tradicional (e imperdível) lanche comunitário ao final. Mas conseguiríamos, por intermédio do meu tio e do Silvio, reeditar parcerias de eventos anteriores, empresas que nos cederam água mineral (Monteiro Lobato) e frutas (Grupo Cauana) e que apareceriam inclusive nas costas da camiseta oficial versão 2014. Que nasceu azul, como a do outro ano, mas virou verde-amarela por sugestão (brilhante) do bom e antigo companheiro de batalhas Toninho Corredor. Ano de Copa, sabem como é...



Juntos somos mais fortes
Mas o que se viu, nas duas semanas que antecederam a realização do treinão, foi uma verdadeira avalanche de mobilização, uma rede do bem, de muitas pessoas e empresas que mostrariam na prática o poder do trabalho conjunto. Tive a ideia de elaborar um termo de responsabilidade a ser lido e assinado por todos os corredores presentes. E, para incentivar o preenchimento do mesmo com os dados pessoais de cada participante, bolei um sorteio de brindes. O primeiro a nos estender a mão foi um amigo, empreendedor admirável e grande batalhador. O Roberto Filho tornou a Sprint Tênis conhecida por todo mundo que corre; eu mesmo sou usuário e fã da marca, que me calçou em quase todos os meus recordes pessoais em corridas. E agora está também no ramo de vestuário, com a Sprint Legging. Doou três bonitas calças femininas, que fariam o maior sucesso lá na fanpage do treino. E incentivariam outros a também imitarem o gesto solidário.




Outra empresa a prestigiar, com carinho especial (a ponto dos proprietários, Thalitta e Ruan, marcarem presença até no próprio treino!), seria a SNC - Sports Nutrition Center de São José dos Campos, maior rede de venda de suplementos nutricionais da América Latina. Além de iniciarem uma parceria que dá aos integrantes e amigos da Equipe 100 Juízo um desconto especial de até 20% na compra de produtos na loja, cederiam também dois kits de suplementos, um masculino e outro feminino, para serem sorteados entre os participantes.



Não dá para deixar de mencionar também a GS Shop, com quem tenho uma parceria de longa data, através da qual recebo, testo e escrevo artigos para meu site, o Arquivo de Corridas de Fábio Namiuti, diversos produtos tecnológicos voltados para corredores e praticantes de esportes e atividades físicas em geral. Ela também se fez presente, cedendo para o sorteio três produtos, entre eles um relógio com monitor cardíaco da marca DLK.


De última hora, com tristeza, receberíamos a notícia da ausência deles, presentes que estavam na segunda e terceira edições do nosso treino. Mas Julio e Silvia, da Global Netpar, não deixariam de colaborar, e muito. O Asics Gel Nimbus 15, modelo mais recente do consagrado modelo, seria um fantástico presente e, não dá para negar, o prêmio mais cobiçado do sorteio.



Ele disse que viria de SP, e que traria consigo um grupo de participantes para encararem conosco o grande desafio. O José Roberto Fortes, da Fortes Assessoria Esportiva seria bem-vindo, como são todos os que vêm de outras cidades e regiões (teve gente de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, da Grande São Paulo e de muitas cidades do Vale do Paraíba), mesmo que chegasse de mãos vazias. Mas não chegou, muito pelo contrário. Trouxe um carregamento de prêmios, artigos esportivos cedidos pela M Calçados para o sorteio. E um lote enorme de produtos da Montevérgine: torrones, barrinhas de cereal, wafers recheados, biscoitos champagne, entre outros; além de cestas de produtos para serem sorteadas. Mandou fazer camisetas complementares para o evento, que adquiri inclusive para meus tios. E ainda participou correndo conosco. Foi um grande parceiro, um dos maiores responsáveis pela transformação da nossa modesta iniciativa em algo tão grandioso e farto.








Mais e mais parcerias iam surgindo, num empolgante efeito dominó ao contrário. Mais e mais ajuda para erguer as estruturas de um evento feito a muitas mãos. Surgiu quase de última hora, mas foi útil demais a participação do Renato Chagas, do Recanto Bem-te-vi, restaurante e lanchonete sediada no CEASA / Ceagesp de São José dos Campos. Mais frutas, somadas às que o Grupo Cauana nos havia cedido. Uma cesta de café da manhã para o sorteio. E o veículo da empresa, uma espaçosa e providencial Fiorino ao nosso dispor, na caravana de apoio. Transportando bastante material importante durante o trajeto.



Virou tradição e não poderia ser diferente na maior edição de todas (até agora, pelo menos). A confecção das medalhas de participação, mais de trezentas delas, seria uma mostra desse espírito de equipe. Através de uma solicitação do nosso Diretor Edward, o Prof. Marquinhos conseguiu medalhas remanescentes de outras competições esportivas. Soube depois, que com a ajuda, mais uma vez, da vereadora Juliana Fraga, que está sempre apoiando não só a Equipe 100 Juízo, como o esporte joseense de uma forma geral. O nosso artista Silvio elaborou a arte, nos mesmos tons nacionais da camiseta. O Marcos Leandro agilizou a impressão em alta qualidade na Digital Press Gráfica e Editora. E o mutirão da montagem aconteceu na casa da família Andrade, uma das sedes fixas da malucada. Marlene e Braz nos receberam com o carinho de sempre. A gente passou mais tempo fazendo o lanche depois do que descolando e colando adesivos, mas isso também faz parte...




Toda ajuda seria muito bem-vinda. Mas as que vinham acompanhadas de presença efetiva no nosso treino, ainda mais fazendo parte da fundamental equipe de apoio, eram ainda melhores. Paulo César, representante da Forever Living na região, empresa que distribui o Energético FAB - Forever Active Boost (que também testei e escrevi sobre), já vinha dizendo há tempos que estaria presente. E esteve mesmo. Deu a maior força, acompanhando com seu carro os nossos atletas. E ainda cedeu três caixas do energético, sorteadas ainda antes da largada, em Taubaté. Primeiros sortudos do dia.




E o apoio, logicamente, também viria de dentro da equipe, seus integrantes e amigos próximos. Vander Mineiro conseguiu mais água, Fábio Soares e Marcos Leandro também (precisaríamos mesmo!). Claudemir e Josy, nossos correspondentes especiais em Taubaté, agilizaram tudo o que era preciso por lá. Correram atrás de opções de hospedagem para quem veio de longe, foram a campo para estudar os caminhos mais seguros para a passagem dos corredores, negociaram com o dono da padoca em frente à praça para uso dos banheiros e até um café da manhã simples, mas muito bem-vindo antes da largada. Foram, enfim, pau pra toda obra.



O que dizer então da Suh e do Douglas? Foram simplesmente incansáveis, mostraram interesse total em ajudar durante todas as fases da preparação. Na semana final, correram atrás de parcerias (Maga Kitutes, Amanda Modas, AlugMaq, Andréia Festas, Vane Modas, Supermercado Família, Mercadinho São Judas, Carlin Distribuidora) para o sorteio, frutas, água, os certificados de participação (com que até tentamos, mas não conseguimos surpreender a galera). Carregaram o piano junto comigo. Deram um show.




Certa e infelizmente vou me esquecer (e precisar me desculpar) de citar alguém que também colaborou, porque foram realmente muitos. Das mais diferentes formas. Conseguindo mais frutas, como o Celio (com o Souza Hort Frut) e o Silvano (Baiano Games) ou mais barras de cereal, como o Alex (Dr. Luís Vieira). Teve gente que doou quantias em dinheiro, pedindo o anonimato. Ajudando no apoio, antes ou depois de correr distâncias menores que o percurso completo. Ou até sem correr, caso do Seneval, Jefferson e Natanael. A galera das bikes, como a Carol, o Wanderley e o Wagner Bazílio (que, além de pedalar, ainda foi caminhando a noite toda de São José a Taubaté!). A todos, cada um fazendo a sua parte e ajudando demais a transformar sonho em realidade, o meu mais sincero MUITO OBRIGADO!




Ufa! Vamos correr?
A semana que antecedeu o treino foi longa. Mas as noites de sono dela foram bem curtas, com tanta coisa para pensar, fazer e correr atrás. A última, no entanto, até que não. Cansadaço, caí na cama logo cedo e dormi um sono só. Acordei bem disposto, mesmo com o alarme apitando às 4h30 da madrugada. Os tios passaram por aqui às 5h20 e seguimos direto para o local da concentração. Primeiros a chegar? Que nada! Já havia um bocado de gente por lá, todo mundo com cara de "cadê o organizador?". Ô, povo apressado! O dia nem sequer havia clareado.



E a cabeça do tal do "organizador" foi logo ficando a mil. Era gente perguntando o que fazer com isso e com aquilo, onde guardar tal coisa, quem era o cara das camisetas, onde estavam os cartazes dos carros de apoio e mais um montão de coisas. E, para dar aquela piorada, o megafone que trouxeram ainda resolveu não funcionar. No gogó, ia ser complicado à beça. Ainda bem que apareceu outro de reserva por ali. Mesmo com ele, foi bem difícil atrair a atenção da patota para os avisos de segurança, as orientações gerais, a necessidade de preencher a lista de presença, ler a lista de agradecimentos, etc., etc. e etc.... Quase deu nó nos miolos! 



Antes de começar, claro, tinha a foto oficial, mais uma tradição. Com tanta gente, entretanto, não foi tarefa simples. A praça simplesmente lotou. Foi uma selfie bem muvucada essa que o Wagner tirou. Lá de cima, nas lentes da Aline Andrade, a festa bonita à beça vista de outro ângulo. Independente de religião, porque ali havia gente de várias, mas também de nenhuma (e todos merecem respeito), o momento da prece coletiva, do pedido de proteção para todos nós, corredores e pessoal de apoio, é sempre uma emoção. Foi comandado com competência pelo compadre Luis Carlos, um valoroso co-piloto, sempre ali por perto.



O "atraso" seria dentro do previsto. Meia hora até que ficou de bom tamanho, com tantas paradas para resolver. E a época fria (que gelo!) também não demandava sair tão cedo assim. Às 7h30 em ponto liberei o primeiro pelotão. Foi sugerida por mim uma divisão em três ondas, de acordo com o ritmo. A turma da cavalaria, que corre a 4'/km largou na frente, claro. A ideia era que fosse seguida, cinco minutos depois, pelos corredores de 5'/km; e, mais cinco adiante, pela turma do fundão, a 6'/km ou mais. Mas quem disse que fizeram isso? Ignoraram solenemente e, pouco mais de dois minutos depois da primeira leva, foi todo o resto junto. Chegariam bem menos esparsos que o recomendável à estrada, tudo o que eu não queria. Mas não tinha como me jogar na frente para impedir.



De minha parte, fiz o certo. Esperei quase todo mundo partir e saí de boa, num ritmo bem tranquilo, mesmo descendo o morro em direção à Dutra. Estava ali para me desafiar? Sim, tentando pela primeira vez fazer o percurso completo (sempre correra um pouco menos que o total nas três edições anteriores), justo na primeira em que ele tinha os 42 km de uma maratona, ou quase isso. Mas também para me divertir, para curtir cada momento daquela inesquecível manhã. Não iria estragar isso com fixação pelo relógio. No primeiro quilômetro, ele apitaria com 5'41''. Mas eu só ficaria sabendo disso bem mais tarde, depois do treino, ao ver as voltas esmiuçadas na tela do computador.


Aos dois quilômetros chegamos à rodovia. Mas não entramos diretamente nela. Depois das obras, o trecho deu agilidade aos carros, mas também trouxe perigo aos pedestres. Havia os dois tipos entre nós. Os veículos de apoio, tirando os que erraram o caminho, ganharam a estrada. Nós, corredores, seguimos reto por pouco menos de um quilômetro de marginal. A subidinha curta, mas enjoada, até que foi um preço justo a pagar pela segurança.







Pegamos então a pista, ou o acostamento dela. Nosso caminho durante quase toda a manhã. E ele ficou lindo, todo pintado de verde, amarelo e as demais cores das camisetas dos outros grupos presentes. Várias tribos reunidas em uma só. O Treino da Fé nasceu assim, como uma confraternização de amigos corredores. E assim vem se consolidando, ano após ano. Nada de boleto, pulseirinha VIP, "pipoca". Todo mundo bem-vindo, sempre.





Sobre a primeira metade do caminho, muito pouco a dizer. Saindo lá de trás e seguindo em toada confortável, mas ao mesmo tempo consistente, ao lado de bons parceiros como o Raphael e o Edson, corri com bastante tranquilidade. Até mesmo no trecho em longo aclive (e sem acostamento) na divisa entre Taubaté e Pindamonhangaba. O primeiro ponto de apoio surgiu bem perto dos 5 km, conforme combinado. Peguei meu copinho d'água gelada e segui em frente, agradecendo a cada um dos voluntários pela presença e valorosa ajuda.



Chegamos ao quinto quilômetro com meia hora quase cravada. E aos dez com um minuto ou menos acima da hora inteira. Cheguei a brincar que a manutenção disso era recorde pessoal, pelo menos no meu caso. Mas não era esse o objetivo, nem havia treinamento recente para tal "façanha". Fui ultrapassando um bocado de gente, mas um incômodo surgiu bem cedo. A camiseta oficial do evento, mesmo linda, tinha tecido grosso demais para essas minhas "tetas" sensíveis. Os mamilos já estavam para começar a sangrar. Com 18 km ou perto disso, precisei parar para fazer uma troca e vestir a surrada, mas sempre confortável regata roxa da 100 Juízo.


Sempre foi assim, e não iria ser no mais longo dos percursos que mudaria. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde, alguma dor iria aparecer. Só não contava que fosse tão cedo. A virilha é um problema crônico que tenho em minha vida de corredor. Vira e mexe volta a atacar, desde 2007, quando a lesionei pela primeira vez, fugindo de um vira-lata num treino nas perifas de SJC. Agravada na queda dependurado na trave da quadra de futsal, brincando com os sobrinhos lá na Bahia em 2008. Que mudou a data e o local da minha estreia em maratonas, de Porto Alegre em maio para o Rio de Janeiro em julho daquele ano. E que me faz abortar à força a tentativa de recorde pessoal nos pampas, em 2010. Não costuma atrapalhar sempre, mas também jamais ficou 100%. Começou a doer pra valer aos vinte quilômetros. E me fez pedir para o Rapha seguir em frente sozinho aos vinte e um. Uma pena. Fora um grande companheiro e um coelho de luxo até ali. Chegáramos à metade do caminho com 2h06min. O dobro disso, para mim, seria a glória das glórias.


Não corro machucado, nem tampouco para me machucar. Em caso de ameaça de lesão, tiro o time de campo na mesma hora, porque não sou profissional, não vivo da corrida e sei que sempre há outra chance de tentar de novo. Mas tenho, como praticante do esporte há mais de dez anos, um certo autoconhecimento. Parei, caminhei, tentei voltar a trotar, acelerei um pouco. Tudo para avaliar as minhas possibilidades de seguir com o desafio. Tinha ali por perto os meus anjos da guarda, Janete, meus padrinhos ou outras pessoas do apoio, para o caso de qualquer necessidade. Todos estavam ali para ajudar.


Caminhando e meio desanimado com a perspectiva de quase vinte quilômetros pela frente naquela passada lenta e incerta, cheguei à praça de pedágio, em Moreira César. A Lucia, estreante nos 42k, que chegaria lá com muita garra, passou e mandou um incentivo. Mas a moça que vinha com ela parou e passou a me fazer companhia. Foi bom, ajudou a passar o tempo e, principalmente, a evitar pensamentos negativos. A Mery seguiria comigo por alguns quilômetros, intercalando trotinho e caminhada. E ajudaria demais a me colocar de volta no jogo. Seria muito grato a ela.



Mas a dor não era, infelizmente, coisa psicológica. Voltou a atacar lá pelo km 26 e o meu staff pessoal tentou a todo custo me fazer parar. Já resignado, caindo na real de que muito dificilmente conseguiria chegar aos 42, a não ser à custa de um sacrifício extremo (e tolo), mais uma vez estive a milímetros de entregar os pontos. Mas pedi para tentar mais cinco quilômetros, o suficiente para rodar 31 e, pelo menos, fazer a minha maior rodagem do ano atual.


Com 28 km, mais um pit stop para conversar com gente também passando perrengues. Rodrigo Almeida estava sentado à beira da estrada. George e Roseli também faziam uma pausa para tentarem seguir adiante. Aí, testemunhamos todos uma cena tocante. Passou por nós o paratleta e figura conhecidíssima das corridas da região, Claudemir Aleixo. Acompanho sua trajetória e sou admirador há tempos. E ele, mesmo com duas próteses no lugar das pernas, seguia a passos firmes rumo a Aparecida, depois de pedalar pelos primeiros 21 km. Olhamos uns para os outros e não vimos motivos para não fazermos o mesmo.



Quase cheguei a emparelhar com ele, teria sido uma honra correr alguns momentos ao seu lado. Mas não consegui. A tentativa de alargar a passada custou caro. Outra pontada na virilha veio e quase botou tudo a perder. O carro de apoio que vinha comigo estava próximo e eu achei que aquela parada seria definitiva. Cheguei a sentar no meio-fio. Quem passou por mim naquele momento tentou me dizer palavras de apoio, tal qual o Marcos Leandro, o Alex, o Luis Carlos. Mas parecia mesmo que era fim de linha. Entrei, consternado, no carro do meu tio. Ali, novamente em Roseira, o meu ponto crítico em todos os anos.


Só que parecia ainda haver um fio de esperança. Tanto que não cheguei a zerar o cronômetro, apenas o pausei. Os quatro quilômetros seguintes, motorizados, passaram num instante. Mas a visão de tanta gente ainda seguindo, com dificuldades notórias, mas também muita valentia, me inspirou. Quando avistei meu velho amigo Toninho, de tantas e tantas batalhas juntos, não resisti. Pedi para descer e fazer mais uma tentativa.


Ao lado do veterano e, por algum tempo, também do Diego, seguiria, chegando ao limite da cidade de Aparecida, aquela placa que sempre é emocionante ver. Desta vez, contudo, havia uma mudança importante, também adotada por questões de segurança. Ao invés de seguirmos pela rodovia até a segunda entrada da cidade, já de frente à Basílica, pegaríamos o primeiro acesso, entrando à direita nele e cruzando o viaduto. O trecho onde o acostamento vira terceira faixa, movimentado e perigoso, foi propositalmente abolido do nosso percurso.



A Avenida Itaguassu é um caminho bem conhecido, por fazer sempre parte da única corrida que acontece anualmente em Aparecida e da qual já participei oito vezes, a Henock Reis Filho. Mas suas subidas nunca foram tão difíceis de enfrentar. À noite e em uma corrida de 10 km, sempre foi moleza (ou quase). Durante o dia e no final do trajeto, depois de mais de trinta de estrada, nem tanto. A cada morro, andava um pouco. Nos trechos planos, voltava a trotar. E assim fui seguindo, lentamente. Mas com o verbo "desistir" riscado em definitivo da mente.


Cezinha, Diogo, Farley, Douglas, Silvano, Régis. Seriam muitos os companheiros por alguns trechos desta parte final. Mas o trio que seguiria junto por mais tempo seria composto, além de mim e o veterano, também pelo Leandro. Era o esquema CTC: caminhada, trotinho e cãibras. Numa delas, a panturrilha travou e eu quase fui de cabeça num poste (!). Andava de novo e, daí a pouco, tentava outra vez.



Avistar a igreja, primeiro ao longe, depois se aproximando aos poucos, foi por demais emocionante. Sempre é. Mesmo que você não seja, como eu não sou, propriamente um devoto de Nossa Senhora Aparecida, a visão do santuário como um destino alcançado, depois de tanto esforço, arrebata o mais gélido e racional dos corações. A ideia era fazer o contorno, ir até a rodoviária oval da cidade e entrar apenas pela outra portaria, a da Avenida Getúlio Vargas. Não havia mais energias para isso. E nem era necessário. 


Toquei em uma das colunas que separam a entrada e caí no choro. Discreto, mas inevitável. Pelo quarto ano seguido. Não foi como eu queria, não venci os 42 km (foram 35,5 km em 4h07min, tempo líquido), precisei da ajuda e até do transporte do carro de apoio... Mas cheguei lá, mais uma vez. As dores na virilha haviam sumido, mas o cansaço era extremo. A ponto de fazer a caminhada até o outro lado do pátio parecer outra maratona. Cumprimentei meus companheiros de jornada, os que chegaram comigo, os que já estavam lá e os que foram aparecendo depois. Todos nós, independente da distância percorrida, estávamos de parabéns.


Não parei um instante depois que cheguei. Ajudado por várias pessoas, é bem verdade (obrigado, obrigado, obrigado!). Nem do lanche pude participar, só fui comer algo já na viagem de volta. Entregamos as medalhas de participação (chamando, de propósito, pela lista de presença, um a um) e os certificados de conclusão. Entregamos o troféu em homenagem ao Toninho, presente desde a primeira edição e à Ana, esposa dele, que está lutando contra (e vai vencer!) um problema de saúde. Sorteamos, sob grande expectativa, os muitos prêmios. Recebemos abraços, agradecimentos, sorrisos. Reconhecimento de um trabalho árduo mas, esperamos, que tenha rendido a todos um domingo para não esquecer jamais. Mais um.






Fiquei exausto e, na quinta-feira, quando enfim finalizo esse longo relato, parece que ainda estou (junte aí trabalho, mudança de endereço, problemas com o carro y otras cositas más). Mas faria tudo outra vez. E farei MESMO. Todos os anos, enquanto tiver saúde para correr.




Muito obrigado, mais uma vez, a todos que me ajudaram a realizar outra vez esse sonho. Que realizei porque não sonhei só.

16 comentários:

  1. Parabéns Fabio e a todos que participaram desta festa!! com certeza estarei ano que vem!! abraços

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    1. Uia! Não reconheci a letra, hehehe... Obrigado! Contamos com sua presença no ano que vem. Abraços!

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  2. Emocionante seu relato, vc é mesmo GUERREIRO CASCA GROSSA, fico muito feliz por ter participado pela
    2ª vez e espero estar nos próximos, parabéns por sua determinação, organização e liderança.
    Como dizia o poeta Maluco Beleza "Sonho que se sonha junto é realidade".
    Abraço!!!

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    1. Valeu, Giovani. Guerreiros somos todos. Agradeço muito pelas suas palavras e, principalmente, pela sua presença e participação lá com a gente. Parabéns por mais esse desafio vencido, com a garra de sempre. Abração e até os próximos!

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  3. Parabéns Fábio, a superação e o espírito de equipe foi sensacional! Que venha mais desafios!

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    1. Valeu, Paulo! Tão bom quanto o desafio em si é este espírito de amizade e solidariedade que o caracteriza em cada detalhe. Obrigado pela sua presença conosco. Abraço e até os que virão.

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  4. Parabens meu sempre amigo compadre e irmão de rua, agradeço suas palavras em relação a minha pessoa e como voce mesmo disse, conte sempre com este co-piloto (aprendiz) pois tudo que faço é por gratidão a 100juizo.

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    1. Eu é que agradeço, Luis. Sua atuação nesse treino foi simplesmente fundamental. Não à toa, foi o primeiro destaque que fiz na página do evento, logo no dia seguinte. Muito obrigado, mais uma vez, por tomar as rédeas e me ajudar a conduzir, com muita garra, disposição e alegria, essa bela festa que fizemos todos juntos.

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  5. Parabéns, Fábio!!
    Parabéns pela logística, pelo espírito de equipe, por fazer deste evento um momento principalmente de muita alegria e descontração.
    Grande abraço,meu amigo.

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    1. Obrigado, Jorge! Faltou você lá com a gente. Espero um dia ter a satisfação de correr ao seu lado também nesse desafio. Abraços e até breve.

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  6. Sensacional! Parabéns a todos os envolvidos. Vamos ver se esse ano ainda eu apareço por aí para correr com vocês novamente.

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    1. Valeu, Anderson! Seria um prazer recebê-lo, apareça sim. Abraço!

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  7. Lindo, emocionante, demais, mil hurras!
    Desnecessário dizer (mas digo!) que dá vontade de participar. Ainda não estou apto, mas quero e vou, porque esse feito (não consigo usar somente a palavra "treino", acho ela um pouco fraca pra descrever o que vocês fizeram) certamente irá se realizar por mais outros tantos anos, e num desses o Cantor Corredor lá estará. E que continue se chamando "Treino da Fé", mesmo eu tendo dito que a palavra não reflete o que realmente é. Mas assim fica com essa cara mais aconchegante que você citou no relato, trazendo a ela tanta gente, tantos "grupos" unidos numa solidariedade que talvez o nome "Maratona da Fé" não despertasse.

    Parabéns pela determinação, foi emocionante a parte em que você volta pra corrida mesmo já estando no carro de apoio (a gente sabe que depois que para, o corpo dificilmente aceitar voltar) e também a hora da chegada, o choro "discreto" na entrada do Santuário. Também não sou devoto, apesar de ter crescido em família católica, mas a energia presente nesse local, criada e mantida pela fé dos que lá comparecem, tornam esse um espaço especial para qualquer um que acredite em Algo Maior.

    Parabéns a todos, primeiro por terem organizado tudo com tanto esmero, depois por terem realizado a façanha independente de terem corrido a distância toda ou uma parte dela, ao pessoal do apoio, aos ciclistas, aos motoristas, enfim... gente do bem unida pelo esporte.

    Ufa falei demais, me empolguei rsrsrs desculpe Fábio, minha professora de História, Clara, me puxaria as orelhas me lembrando de como eu era bom em resumir textos, mas isso ficou lá no colegial rsrsrs

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    1. Obrigado, Luiz! Será uma honra receber você para a próxima edição, qualquer que seja a distância para a qual você esteja apto.

      Usamos "treino" para descrever qualquer encontro que envolva corrida, mas não seja uma propriamente dita. Não usei "maratona" ou qualquer outro termo mais restritivo porque ano que vem pode mudar, ser maior, menor ou simplesmente diferente. Mantendo sempre, no entanto, este espírito de amizade e solidariedade que marcou essa e todas as edições anteriores. Uma realização conjunta de todos nós.

      Sabia de antemão, pelo pouco volume de treinos, que seria bem difícil para mim. Mas fiquei muito contente pelo que fui capaz de fazer. A cada ano, é sempre emocionante chegar lá, independente da religião, da quilometragem ou do que aconteceu durante o trajeto. Você vai ter a oportunidade de sentir também. E depois, de me contar.

      Abraço!

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  8. xará, que bacana como o evento se tornou algo tão grande e com tanta gente feliz! Espero em estar nas próximas e obrigado pela citação!

    Abração!

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    1. Faltou você lá com a gente, xará. Tomara que, no ano que vem, a gente consiga reunir o "trio fundador" dessa história toda. Abraço!

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Obrigado por estar comigo neste caminho. Deixe também o seu registro de passagem. Dê sentido à existência disso tudo.